1. Teoria + planeamento = democracia
As correntes marxistas de Henri Lefèbvre e Manuel Castells legitimaram política, científica e academicamente acções em que a arquitectura, o planeamento urbano e o conhecimento técnico se colocaram ao serviço das populações e da sua luta pela transformação das relações sociais, em prol do bem estar colectivo e individual. As Operações SAAL são a expressão de um posicionamento claro de projectistas, decisores políticos e população perante o desenho da sociedade.
2. O papel do Estado na habitação social: que avaliação
O Estado promoveu, numa primeira fase do período revolucionário, modos de intervenção urbana urgentes, que envolveram a participação dos cidadãos; criou, nessa altura, determinadas condições de base para uma acção continuada [quadro de valores, legislação, apoio militar].
Posteriormente, as dinâmicas sociais [burocracia, desencontros processuais, desigual envolvimento local, complexo e instável processo político ao nível nacional] foram o retrato de um Estado dividido entre o apoio e o abandono de um assinalável movimento social.
3. MFA: o excepcional da situação
Muitos militares participaram em projectos que as suas estruturas assumiram como um imperativo emancipatórios e solidário. Foram regularmente chamados a intervir na arbitragem de situações de conflito, especialmente durante as ocupações de casas devolutas, constituindo uma força de regulação e e amenização do ambiente tenso entre classes e grupos sociais.
4. Projecto urbano: proximidade informada pela multidisciplinaridade
Os detentores de formas especializadas do conhecimento e das competências técnicas de habitação e urbanismo [arquitectos, engenheiros, sociólogos, juristas, geógrafos…] foram fundamentais na definição de estratégias necessárias ao cumprimento dos objectivos do movimento, bem como nas alianças que estabeleceram com as comissões de moradores, num processo nem sempre fácil. Foram obrigados a discutir as concepções estéticas e as preferências dos moradores, procurando soluções técnicas de baixo custo, de modo a configurar e personalizar o habitat de acordo com as vivências.
5. Uma personalidade-chave para um momento-chave
A acção de Nuno Portas como Secretário de Estado da habitação e urbanismo relevou de uma notável coincidência entre as competências do arquitecto e do político. O seu trabalho é hoje objecto de uma revisitação regular nos domínios da Arquitectura e do Planeamento, sobretudo pela forma como assegurou condições para o estabalecimento de estruturas como o SAAL ou, posteriormente, os GAT [Gabinetes de Apoio Técnico].
6. O poder das pessoas
Associados aos SAAL, ocorreram fenómenos de participação popular colectiva, com destaque para a importância das cooperativas de habitação que agruparam os moradores dos bairros degradados, das ‘ilhas’ e os residentes de prédios sub-alugados, por vezes em processos que passaram pelas ocupações de casas devolutas. A época assistiu a um alteração no papel social das mulheres, que passaram a ter outra importância no domínio público.
7. Direito à habitação // Direito à qualidade de vida
Com a dinâmica empreendida pelas operações SAAL, as populações tiveram a oportunidade de discutir a importância da qualidade do espaço residencial e das infraestruturas fundamentais, reivindicando equipamentos urbanos e sociais instalados no local de modo a que se criassem raízes para desenvolver formas de sociabilidade ancoradas na apropriação do espaço público. Transportes públicos adequados, espaços de lazer para crianças, escolas, creches, espaços verdes, centros de dia para idosos, centros de saúde, espaços desportivos e de lazer eram preocupações integradas numa ideia de «direito ao lugar».
8. Reconhecimento internacional
O reconhecimento internacional das operações SAAL, consubstanciado em conferências e publicações especializadas, deu a arquitectos como Vítor Figueiredo, Siza Vieira, Alexandre Alves Costa, Manuel Vicente, Souto Moura, Manuel Tainha, Gonçalo Byrne ou Nuno Portas, entre muitos, notável visibilidade internacional, nomeadamente em Itália e Espanha. Esse foi impulso crucial, senão para o desenvolvimento da Arquitectura moderna portuguesa, para um conjunto de carreiras individuais.
9. Vida urbana: os bairros e a sua evolução
Os Bairros criados e respectivas tipologias habitacionais sofreram uma evolução vivencial de acordo com os diferentes processos de concepção, edificação e gestão. Cada qual evoluiu no tempo, segundo os mais diversos ritmos e contextos económicos, geográficos, políticos e sociais. Numa Acção que abrangeu todo o País, a arquitectura e o planeamento resultantes constituem, hoje, um acervo de modelos habitacionais que importa reavaliar.
Samuel Roda Fernandes, Extra]muros[